AEBA Artigo de Opinião

Os Bancos brasileiros e o paradoxo de Marx

Por Silvio Kanner* – Belém do Pará.

            Certamente a realidade inglesa de meados do século XIX era paradoxal e num sentido bastante exato: como era possível a coabitação, no país mais rico do mundo, de fenômenos tão díspares? Como explicar tanta miséria exatamente no momento (naquele momento) de maior capacidade produtiva humana? Voilá! O paradoxo de Marx. E a reposta foi dada com coerência lógica e rigor científico. Assim são as relações sociais no capitalismo. Não é acidente, nem incidente, é a regra. A riqueza se alimenta da pobreza. Nesse jogo, se alguém ganha o outro necessariamente tem que perder. Delfim Neto nos enganou metaforicamente, o bolo jamais seria dividido.

            Desemprego, subemprego, informalidade. Caos na saúde e na educação. O Brasil vive dramas sociais quase eternos, mas do outro lado da ponte o ano de 2019 foi dourado para os Bancos. O sistema lucrou 109 Bilhões, demitiu milhares de bancários e transferiu uma gigantesca massa de trabalho para os clientes.

            Dados do Relatório de Economia Bancária relativo a 2018 revelam uma carteira de crédito de 3,2 Trilhões, quase metade do PIB e a relação crédito / PIB já bateu a casa dos 47%. A rentabilidade do sistema, que os técnicos chamam de ROE, alcançou 16% em 2018 o que fez do Brasil o 7º país mais lucrativo do mundo para os Bancos, mas deve crescer no ranking em 2019. Somados, os patrimônios apenas de BB e Itaú já passa de 3 Trilhões. A coisa não para aí. Os bancos aprenderam estratégias novas. Aprenderam que os clientes podem pagar para serem extorquidos, arrecadam mais de 150 bilhões em tarifas de serviços por ano, com isso pagam os cada vez mais baixos salários dos bancários e ainda sobra uma ponta. Também aprenderam que os clientes além de pagar ainda podem trabalhar e chamam isso de tecnologia, o número de transações no Mobile (autosserviço pelo celular) passou da casa dos 30 bilhões e como diz o BACEN, com viés de alta. O lucro somado dos últimos cinco anos pelos Bancos alcança a incrível cifra de 432,8 Bilhões, meio trilhão em cinco anos, um trilhão em dez anos, mas a cada novo recorde de lucros os “desafios” aumentam, porque o volume de capital para ser remunerado cresce. É uma lógica infernal.      

O sistema bancário brasileiro, para o bem dos seus acionistas, precisa produzir mais ou menos 150 Bilhões em lucros em 2020 apenas para “manter o ritmo”, no entanto, isso exige uma megaoperação de controle, inclusive e principalmente do governo. O governo precisa limpar o caminho e o Paulo Guedes está no comando da retroescavadeira política. Reforma da Previdência, MP 905, Privatizações, Desinvestimentos, corte nos gastos da educação, reforma administrativa, todas essas medidas têm apenas um foco, limpar o caminho para os bancos, ampliar a massa de recursos a disposição do sistema financeiro. O que ocorre na “economia real” em termos de relações trabalho e capital tem um impacto direito nos resultados do sistema financeiro, porque os bancos são os donos das empresas, por isso se chama capital financeiro.  

Atrás vai ficando uma montanha de entulhos sociais, como diria Walter Benjamim, sacrifícios, porque afinal o “Brasil precisa crescer” sendo que o Brasil, nesse caso bem específico, são os Bancos e o PIB.

Então como os Bancos podem render tanto num país tão miserável e dependente? Conhecemos agora a chave desse enigma. Os lucros são elevados exatamente por isso, ou como diria o filósofo, a resposta está na pergunta. Delfim, pressionado pela conjuntura da época ainda falava de uma futura divisão do bolo, malandramente, mas o Chicago Boy sequer disfarça, o bolo que está preparando vai ser servido exclusivamente no banquete do mercado financeiro e nada de Disney para os trabalhadores.    

(Silvio Kanner – Bancário, Sindicalista e Doutorando de Ciências Sociais)

Facebook: Silvio Kanner / Instagram: @kannersilvio

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